terça-feira, 5 de junho de 2012

Sobre outras saúvas e sauveiros

Fazia agora um bom tempo que a outra saúva não via Strifon. A outra saúva, coitada, penou quando havia se desmembrado toda. Mas tanto alento ganhou de Tri que, como custou a perceber, não tardou logo a perder o passo moroso. Hoje faz exato um ano que não se falam. Estes últimos pensamentos tomaram a cabeça da saúva antes de serem interrompidos por um curioso portento - uma enérgica saúva outra sacudindo-se trem afora e rumando ao seu encontro; seu velho amigo Tri!

A outra saúva, naturalmente, não se conteve:
- TRI!!

 Se pudessem ter gestos humanos, com muito gosto, sorriria Strifon naquele momento.

- Como andas, minha querida, desde que nos vimos? - falava a saúva mais experiente, num velho tom de zelo à outra sem nome.

- Tenho segurado as coisas nessa estação chuvosa melhor que da vez passada. Andei com saudades tuas. Mesmo depois de certo esporro pela minha preocupação.

- Acho ótima a saudade. Desde que não te envergue tanto as antenas, ou perderás teu senso de direção. 

Com senso ou sem, esses comentários se faziam lar para a miúda saúva.

- Lembra do sauveiro em construção que falei?

- Por certo que sim.

- Então, ele tá ficando uma beleza. Ainda é uma certa desordem, mas podemos beliscar alguma seiva e uns torrões de açúcar que consegui. Descobri umas folhas e raízes que fazem uma divindade de líquido que tomo quente às cinco da tarde. - dizia enquanto socava no bolso do Tri um pequeno cubo de açúcar da bolsinha que carregava consigo. - Experimente, experimente. Você não sabe o quanto custa pegar um desses, mas como me alegra ter dias mais doces.

Os óculos de Strifon caiam um pouco, enquanto ele esboçava o que, se fosse humano, um sorriso de gente encantada. Tomou-lhe o açúcar da mão da saúva e falou:

- Não abuse dessas coisas. Pode fazer um bocado mal, sabia?

E, dizendo isso, guiava (ainda com as antenas machucadas) a outra saúva, que lhe seguia, enquanto corria até o novo sauveiro, num passo tresloucado, se vamos ser francos.

A outra saúva, e novamente repetimos, se não fosse inseto, estaria rindo ensandecidamente, tal qual o passo de Strifon. Por fim, chegaram. A outra saúva pede à madura que não reclame da bagunça (no que percebeu ser um inútil pedido, tamanho era o olhar de desaprovação recebido) e que fique à vontade e, se possível, muito tempo!

- Não posso ficar muito tempo.

 A outra saúva começou a soprar brutalmente o que seria sua xícara de chá. Acabou por engolir quente, mesmo assim.

- Olha - e dizia tão pausadamente aquela sem nome - Quando você se foi, eu mudei muita coisa... E vivenciar de novo isso...

Strifon o olha sério.

- É que... - procurava concluir aquela que não era graúda

- Você sabe que ninguém verdadeiramente se vai até que nós verdadeiramente nos formos, não é?

A outra olhava Tri. Registrava cada pedacinho da criatura no olhar que lhe dava. Talvez a entendesse. Até que um pé pesado lhe esmagasse, entenderia. E largou o açúcar e, acho que finalmente por aqui, não só sorriu, como abraçou Strifon.

- Você não lavou as patinhas antes de tocar nas folhas - observou aquela com nome

- Lavar patinha? E isso é verossímil?

- E estarmos abraçados é?

Fazia algum tempo, Strifon era responsável pela outra saúva, como a tantos em antigo sauveiro. A outra, a sem nome, também era. Isso não muda. Uma pequena confusão semântica com o verbo ser, mas a responsabilidade mútua tá aí. O chá acabou. A folha acabou. Mas toda fração de Strifon não sairia da mente, pedisse o mundo, ou não, muita pressa com ele.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Nada vai dar certo

Sabe a sensação de sentir vontade de pular diante de uma grande altura? Bem, eu não tenho. Já tive, no entanto, medo de um impulso despreparado pra tal queda.

Eu me mazelava a pensar nesse impulso. Talvez porque eu ainda me queixava assustada como uma gazela sobre o tombo, digamos subjetivo, que eu havia levado. Eu, dona d’um nariz raro e suíno, passei a caminhar toda eriçada como porco-espinho – e fazendo porcarias de metáforas e agora trocadilhos como estes – pra me manter distante do que me era próximo.

Até que então dei por mim dentro dum taxi, ouvindo histórias e curiosidades de um engenheiro aposentado do sotaque marcadamente gaucho. Não demorou muito pra ele perceber, através do espelho, meus tiques nervosos de mexer no nariz durante a conversa. Após uma pergunta curiosa do taxista e um breve resumo sobre umas expectativas (me desculpem amigos que evitei o papo, era uma conversa (de) passageira), o taxista me olhou pelo espelho, riu e falou com sua voz ritmada:

- Você anda pensando errado. Quer uma dica? Nada vai dar certo.
- Nada vai dar certo? Como o filme? – disse rindo – Mas isso faz sentido?
- Claro que faz. Quando dava aula, por exemplo, dizia isso a meus alunos antes de qualquer seminário “Fiquem calmos. Nada vai dar certo.”. Funcionava, eles se sentiam mais relaxados, no mínimo por terem rido como você.

Ele falava com tanta honestidade que tive de comprar. O que concebo, hoje, após ouvir conselhos de “dar tempo ao tempo” é que às vezes não dá certo e às vezes, pior, dói por demais o baque.
Bem, que essa noção de uma eventual realidade paralela – note: nem sempre adversa – aos nossos planos nos torne mais corajosos. Não desejo o pessimismo nem pregar uma filosofia estóica, mas precisava fazer uma correção (já com o devido crédito) do mantra que, algumas vezes, simplesmente não dava certo.